Os desafios com a inversão de fluxo de potência em projetos de micro e minigeração distribuída (MMGD) parecem não ter fim. Desde o primeiro semestre de 2023, quando os orçamentos de conexão começaram a apresentar condições desfavoráveis para a conexão de sistemas solares fotovoltaicos pelos consumidores, até os recentes aprimoramentos normativos publicados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), por meio da Resolução Normativa no 1.098/2024, a questão continua longe de um desfecho satisfatório.
O controle exclusivo das distribuidoras sobre as informações da rede elétrica, combinado com a ausência de mecanismos de transparência, deixa os consumidores desamparados ao tentarem contestar dados apresentados nos orçamentos de conexão. O crescente volume de reclamações relacionadas às dificuldades de acesso à rede de distribuição de energia elétrica levanta dúvidas sobre se as limitações são de fato impostas pela rede ou se refletem práticas abusivas por parte das distribuidoras.
Para enfrentar esse problema, a ANEEL aprimorou a regulamentação na REN no 1.000/2021 e publicou o Manual de Instruções para Apresentação de
Estudos de Inversão de Fluxo, relacionado ao art. 73, §1o da mesma resolução. Tais disposições se tornaram obrigatórias para as distribuidoras a partir de 30 de setembro de 2024. No entanto, esses aprimoramentos ainda estão longe de resolver os desafios que o setor enfrenta no processo de conexão dos sistemas solares. Além de não aprofundarem os impactos da inversão de fluxo de potência na rede elétrica, as reclamações dos consumidores sobre práticas irregulares das distribuidoras persistem.
Ignorar os impactos da inversão de fluxo de potência na rede e criar condições de acesso restritivas ao consumidor pode ser interpretado como uma limitação ao seu direito de acessar a rede para gerar sua própria energia. Além disso, os estudos apresentados pelas distribuidoras após os aprimoramentos normativos continuam a apresentar falhas, incluindo informações incompletas e análises que frequentemente desconsideram alternativas para afastar os estudos de inversão de fluxo, como o uso de critérios de disponibilidade de potência de geração com base no histórico de consumo e simultaneidade.
Em última análise, os consumidores ainda enfrentam diversos obstáculos para conectar seus sistemas e gerar sua própria energia, em um cenário em que as próprias distribuidoras – as provedoras do serviço – são também as detentoras das informações da rede, e as responsáveis pelas análises de viabilidade de conexão.
Vale ressaltar que o Decreto Federal no 12.068, de 20 de junho de 2024, exigem que as concessionárias disponibilizem, em seus sites, informações sobre carga e fluxos de potência, entre outros dados, para facilitar o processo de conexão dos consumidores, dispositivo que será regulamentado pela ANEEL. Será um sinal de boas perspectivas para o futuro?
Por ora, cabe ao setor seguir questionando os estudos de inversão de fluxo apresentados e lutando por normas e políticas que assegurem um processo de conexão mais transparente e acessível para micro e minigeração distribuída.
Por Raquel Cunha de Assis Rocha Advogada, Assis Rocha Advocacia
Diretora e Especialista Regulatório na Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD)
Sobre Raquel Cunha de Assis Rocha
Advogada com mais de 20 anos de experiência em consultoria e assessoria jurídica e regulatória no setor de energia, focada em Geração Distribuída (GD). Possuo formação sólida em Direito de Energia pela PUC Minas e em Direito Corporativo e Compliance pela EPD. Minha atuação abrange desde o acompanhamento de processos regulatórios até a estruturação de negócios para investidores no setor de energia.